Nascido nos territórios da ilha de Itaparica, no município de Vera Cruz, Bahia, Edielson Miranda enfrentou uma infância marcada por desafios e pelo trabalho precoce. Para ajudar a família em condições de extrema dificuldade, ele vendia geladinho para uma tia e auxiliava a mãe no cuidado dos irmãos. Com o tempo, sua mãe decidiu se mudar para Salvador, na esperança de melhorar a vida da família. Na capital baiana, vivendo em barracos, Edielson continuou a apoiar a mãe, vendendo produtos e jornais nas ruas, além de cuidar dos irmãos mais novos durante a ausência da matriarca. Diante das dificuldades crescentes, Edielson tomou uma decisão drástica: optou por viver nas ruas, um espaço já familiar para ele. Ali, passou cerca de um ano afastado de sua família, enfrentando sozinho as durezas da vida em situação de rua.

Depois de algum tempo, Edielson reencontrou seu irmão mais velho, que o convidou a dividir um pequeno espaço com ele. Sem muitos recursos, Edielson dormia no corredor estreito do barraco e ajudava o irmão vendendo café pelas ruas de Salvador. Durante suas jornadas, um ponto do trajeto sempre o levava à porta de Mestre Virgílio, um renomado mestre de capoeira. Observando a magreza e a determinação do jovem, Mestre Virgílio sugeriu ao irmão de Edielson que o deixasse aprender serralheria, uma habilidade que ele também dominava. Assim, o mestre ofereceu a Edielson uma oportunidade de transformar sua vida.

Naquele mesmo ano, a cidade de Salvador enfrentou uma escassez de frango. Dona Nice, esposa de Mestre Virgílio, pediu a Edielson que fosse de madrugada enfrentar a fila no mercado para garantir o alimento. Foi nessa noite que Edielson dormiu pela primeira vez na casa do Mestre. Diferente da casa do irmão, onde ele descansava no chão do corredor, ali lhe foi oferecido um colchão. Esse simples gesto, carregado de carinho e acolhimento, marcou profundamente o jovem. Sentindo o calor humano que Mestre Virgílio e Dona Nice lhe proporcionavam, Edielson começou a se aproximar cada vez mais da casa e do mestre, criando laços que iam além do aprendizado, aproximando-o de uma nova família.

Ao contemplar o crescimento do jovem Edielson, Mestre Virgílio decidiu presenteá-lo com a arte da capoeira. O menino, com uma sede insaciável por movimento e uma determinação ardente, rapidamente se encantou pelos passos e ritmos dessa dança ancestral. Cada dia era uma nova revelação, um mergulho mais profundo no universo da capoeira. À medida que dançava, Edielson reencontrava suas raízes, especialmente a conexão com seu avô, um capoeirista que sempre fora sua inspiração. Para Edielson, a capoeira não era apenas uma prática, mas uma ponte para sua identidade, moldando e revelando um novo eu a cada passo.

Mestre Virgílio oferecia suas aulas de capoeira gratuitamente, solicitando apenas uma modesta contribuição dos adultos para cobrir os custos de água e luz do espaço. Observando essa generosidade, Edielson, já no final de sua juventude, começou a nutrir o desejo de criar um projeto social para compartilhar a capoeira e ajudar crianças e adolescentes a superar os desafios que ele mesmo enfrentou. Com esse propósito, iniciou suas próprias aulas de capoeira em parceria com o Mestre Virgílio, buscando empoderar os jovens e também ensiná-los a serralheria. Embora no início não fosse possível viver apenas da capoeira, Edielson, com determinação e perseverança, encontrou maneiras graduais de gerar renda a partir da arte, sem jamais perder de vista seu compromisso com a ação social.

Além da capoeira, Edielson encontrou uma nova força no movimento negro da Bahia. Marcado pelas violências raciais e socioeconômicas que sofreu durante sua infância e adolescência, ele carregava dentro de si um ódio latente, como ele mesmo admite. Foi a partir s do bloco Olodum e de outros movimentos culturais e sociais que floresciam em Salvador que Edielson começou a canalizar essa dor. Nessas rodas de resistência, ele se conectou a outras pessoas negras e às suas histórias, descobrindo caminhos de luta, identidade e cura. Essas vivências o ensinaram não só sobre a vida, mas sobre a importância de se fortalecer coletivamente. A dor de Edielson também encontrou cura no candomblé, a fé que passou a nutrir sua espiritualidade e identidade. Através do encontro com o sagrado, ele foi moldando sua essência, transformando sofrimento em força, aprendendo a reverenciar suas raízes e a trilhar o caminho que o fez ser quem é hoje. O candomblé não apenas lhe ofereceu abrigo espiritual, mas foi a base onde ele construiu sua história e se reconectou com a ancestralidade, forjando uma jornada de autodescoberta e empoderamento.

À medida que Edielson se destacava na capoeira e seguia seu próprio caminho, longe de Mestre Virgílio, recebeu um convite inesperado para visitá-lo. Quando chegou à casa do mestre, foi surpreendido com a notícia de que o levaria à Associação Brasileira de Capoeira Angola, em Salvador. Lá, diante de outros mestres, Edielson foi agraciado com o título de Mestre Roxinho. Embora no início ele tivesse tentado usar seu sobrenome para ser identificado, sua comunidade sempre o conhecera e reconhecera como Roxinho, um apelido que carregava desde novo. Assim, com uma nova identidade forjada em respeito e tradição, nascia o Mestre Roxinho.

Embora morasse distante de sua comunidade, no município de Vera Cruz, Mestre Roxinho sempre manteve o sonho de retornar à sua terra natal. Desde jovem, traçou um plano para garantir a renda necessária para realizar esse desejo. Já na fase adulta, consolidado como mestre, conseguiu finalmente voltar à ilha e construir sua casa, realizando o sonho de retornar às suas raízes e reencontrar sua comunidade. Diante da extrema pobreza que assolava sua comunidade, Mestre Roxinho tomou a decisão de agir para transformar a realidade das crianças, adolescentes e suas famílias, determinado a impedir que passassem pelas mesmas dificuldades que ele enfrentou. Assim, fundou o Instituto Cultural Bantu, um espaço dedicado à educação, com foco nas tradições da capoeira e na valorização da arte local, tendo suas raízes na África. Segundo o próprio Mestre, o Instituto não é apenas um divisor de águas na região, mas uma possibilidade concreta de mudança e, hoje, uma presença permanente e vital no município de Vera Cruz.

Mestre Roxinho recorda os inúmeros comentários que ouviu ao longo da vida, afirmando que a capoeira não o levaria a lugar algum. No entanto, desafiando todas as expectativas, a capoeira não apenas o conduziu a um lugar de destaque, como também tem sido uma força transformadora para dezenas de famílias em Vera Cruz, ajudando-as a se reerguer e a reconhecer a beleza e o poder de suas peles e histórias negras. A capoeira é uma arte que pulsa no coletivo, e é nessa força que Mestre Roxinho continua seu legado. Mais do que ensinar os movimentos da capoeira, ele valoriza a população local, resgatando sua autoestima e transformando a dura realidade que um dia também foi a sua.

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Acesse as redes sociais do Mestre Roxinho: @mestre_roxinho  e do Instituto Cultural Bantu: @bantu.brasil.

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Envie um email para: bantu-contato@institutobantu.org  e edielson-miranda-ceo@institutobantu.org .

Créditos
  • Produzido por Agência EDN
  • Texto: Lucas Gregório
  • Fotos: Pedro Paquino e Hérick Almeida
Ficha técnica do vídeo
  • Produzido por: Agência EDN
  • Direção: Camila Vaz
  • Direção de fotografia e câmera: Pedro Paquino
  • Assistente de fotografia: Hérick Almeida
  • Drone: Pedro Paquino
  • Produção: Vitor Dumont e Camila Vaz
  • Produção executiva: Camila Vaz
  • Edição: Pedro Paquino e Camila Vaz
  • Finalização: Camila Vaz, Hérick Almeida, Jeniffer Estevam
  • Acessibilidade: Sâmia Bianchi e Juliana Gonçalves
  • Arte e Motion: Camila Ribeiro e Davi Araújo