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Com mais de 20 anos no setor elétrico, a executiva é uma inspiração feminina na área da engenharia elétrica. Formada em engenheira elétrica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com mestrado na Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), fez parte do conselho administrativo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e atualmente é vice-presidente do Pacto Global das Nações Unidas, além de membro do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). 

Com as mudanças climáticas, o setor elétrico vivencia desafios na sua atuação e o ESG (Ambiental, Social e Governança) chega para conscientizar a importância da sustentabilidade no setor de energia, para caminhar a um futuro energético seguro e responsável. Com seus anos de experiência, Solange é uma grande entusiasta das práticas de ESG no setor elétrico. 

Na sua avaliação, qual é o caminho para deixarmos a matriz energética do Brasil mais verde?

Basicamente, tem a ver com a eletrificação da economia, que é o grande vetor, digamos, de toda essa transição energética. De fato, como se sabe, praticamente 90% da matriz elétrica brasileira é renovável. A energia sustentável no Brasil, inclusive, tem sido a valores bastante competitivos. E a ideia de que o setor elétrico pode ajudar nessa expansão é exatamente eletrificando a economia, avançando em setores que utilizam combustíveis fósseis para passar a utilizar a energia elétrica. Na operação do sistema elétrico, ainda existe espaço para termoelétricas, por exemplo, o gás no Brasil, em uma complementariedade com as fontes renováveis. Então, eu acredito que o Brasil tem uma oportunidade única de fazer essa transição energética, usando essa fonte renovável para expandir em setores onde é mais difícil descarbonizar, ou seja, o transporte e a indústria. 

Com a energia solar no país sendo subsidiada, como é que possível resolver a distorção no mercado?

Normalmente, um subsídio é criado enquanto se quer desenvolver algo e ainda não é viável economicamente. Foi criado, no início, o subsídio para energia solar e, atualmente, os painéis solares caíram de preço imensamente. Então, agora, temos o que costumamos chamar de bypass não econômico da geração solar, que tem um subsídio que paga o consumidor. Isto é, existe um subsídio onde o consumidor que não tem essa geração paga por isso. Então, cria uma distorção. Não está sendo desenvolvido uma fonte de energia simplesmente por conta do preço dela, está sendo desenvolvido uma fonte também por conta de um subsídio. Quando se pensa no todo, qual solução mais econômica? Seriam grandes centrais eólicas e solar. Mas o que se tem? Uma parte disso tem um subsídio e descompensa essa competição. 

A rede de transmissão passa por ampliação e modernização para que evitar desperdícios e garantir uma distribuição com qualidade e eficiência. No seu ponto de vista, como está o ritmo de expansão da rede?

O Brasil tem uma situação também privilegiada nesse aspecto. Temos uma rede que cobre todo o Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, não têm uma rede totalmente interligada, como aqui no Brasil. Então, conseguimos produzir e consumir em momentos diferentes, em locais diferentes. Existe uma demanda que tem ampliado muito nos últimos tempos, mas talvez o movimento que precisamos fazer seja o contrário, como trazer mercado para o Nordeste. Seria mais econômico para o nosso país. Por exemplo, quando falamos das discussões do data center, se pudéssemos colocar esse tipo de carga no Nordeste, traríamos consumo nesa região. Então, essa questão desse fluxo, o sistema de transmissão vai se adaptando. 

Tem sido feito investimento em projetos de transmissão brasileiro enormes. Os investimentos anuais estão muito grandes, mas efetivamente temos que manter um balanço de qual é a melhor solução global. Essa é a responsabilidade que temos que ter. Acontece isso em outros países. Na Inglaterra, por exemplo, acontece dessa forma. Tem uma geração do lado. A Iberdrola recentemente está fazendo uma linha submarina para levar de um pedaço da Irlanda para a Inglaterra. Existem essas questões, mas o ponto é desenvolver o sistema como um todo, buscando a melhor solução. Porque atualmente a operação do sistema elétrico é muito mais complexa.

De que maneira os impactos da mudança climática estão afetando a geração, a transmissão e a distribuição de energia elétrica no Brasil?

Bom, quem não acreditava em mudança climática, agora está acreditando. Tudo está acontecendo de uma forma muito direta. Primeiro, precisamos melhorar a forma de prever. Como é que podemos prever com mais antecedência esses acontecimentos? Como uma das iniciativas, existe um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento realizado junto ao governo do estado de São Paulo, que busca, através de uma plataforma integrada de inteligência climática, como podemos disponibilizar informação meteorológica de uma forma mais rápida. Para que possamos ter consciência dos eventos climáticos com uma certa antecedência. E aí, tentamos solucionar questionamentos como: podemos mudar a melhoria da cobertura? Como antecipar a população?  Vemos tudo isso, porque é muito importante. 

Outra questão é como conseguimos conviver com a infraestrutura verde das cidades? As cidades têm as árvores, que têm um papel extremamente importante. Como melhoramos os nossos processos também? Como agimos com automação? Como podemos trabalhar com formas de inteligência maiores para alocar equipe? Sempre em parceria com o poder público. Porque, nesses momentos, precisamos trabalhar em conjunto. Como é que as cidades têm que se adaptar? Os prefeitos estão começando a ter essa visão, entender cada vez mais a importância dessa atenção especial ao tema. 

A mudança climática existe, não tem outra opção ou um caminho diferente. Temos que entender como enfrentar e como se adaptar à nova realidade também. Do outro lado, vamos gerando energia renovável, transformando essa situação, descarbonizando o planeta para evitar que a situação seja ainda pior nesse aspecto.

As parcerias são importantes. O que levou a Neoenergia e o Grupo CCR a trabalharem juntos para a autoprodução de energia eólica?

Estamos trabalhando em uma autoprodução para fornecer ao Grupo CCR uma transformação de 60% da sua operação elétrica para energia renovável. Pelo setor que eles estão, esse projeto é muito importante. Mas temos várias outras operações que chamamos de soluções verdes. Nosso papel é exatamente fornecer aos nossos clientes essas soluções da melhor forma possível e dentro do que seja mais importante para eles. Por exemplo, temos uma parceria com o Hotel Atlantis, para trocar as bombas de calor por energia renovável. Então, esse é um caminho sem volta das outras empresas também de tomar essa atitude mais sustentável em sua atuação.

Sendo signatários da Agenda 2030, que estão comprometidos com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, e também do Pacto Global, desde o ano de 2007, qual a importância, de uma empresa como a Neoenergia ser aderente a esse tipo de programa?

O primeiro ponto é que ninguém faz nada só.  Precisamos de coalizões multissetoriais. Eu acredito que o Pacto Global da ONU é único nisso. Eu, particularmente, faço parte, inclusive, sou do Conselho do Pacto Global Mundial, onde o Gutiérrez é o chair do Conselho, eu sou vice-chair. O Pacto Global é um elemento facilitador de ferramentas, de troca de informações e de compromissos, porque o Pacto vê a parte privada da ONU. No ano passado, aderimos ao programa Forward Faster, que um tipo de acelerador em vários temas. Nesse projeto, estamos compromissados com igualdade de gênero, mudança climática, salário digno e finanças sustentáveis. 

De fato, para a Neoenergia isso é um projeto muito importante, trabalhamos em várias ODS, como na parte de energia limpa, mudança climática, também na parte de diversidade. Nessa linha, temos a Escola de Eletricistas para mulheres. Esse projeto ganhou um prêmio da ONU e até no Fórum Econômico Mundial. Foi tido como destaque, como uma forma de diversidade sustentável, então essas características da liderança das mulheres são bastante interessantes. 

A modernização das redes elétricas, com tecnologias como medidores inteligentes, sistemas de gestão de energia, estão fluindo para conseguir trazer maior eficiência às operações. Como a Neoenergia está avançando com isso?

Temos a nossa meta de ESG que é exatamente digitalizar o máximo possível.  Voltando a pauta de eletrificação da economia, o consumidor está cada vez mais proativo e dedicado a ser cada vez mais sustentável. Ele tem um carro elétrico, tem a forma de operar diferente, então, como é que interconecta isso tudo? Com muita automação. 

Quando falamos em automação, fica claro também a necessidade de digitalização e inovação em todo o nosso atendimento e atuação interna e externa, ou seja, em campo. Temos um projeto que se chama Conexão Digital e envolve muito análise de dados. Conseguimos ajudar a sociedade de forma conectada e conjunta, além de prover o controle da rede de uma forma mais inteligente. No longo prazo, é fazer o que chamamos de self-healing, que é identificar e isolar falhas no sistema elétrico. Tratamos toda essa informação e dados coletados já pensando em inteligência artificial, na hora que vamos fazer a manutenção de um equipamento, se já tivermos tudo coletado de forma ampla, atuamos mais preventivamente naquele equipamento. 

Quando iniciei minha carreira, treinava operador de subestação e naquela época era o famoso “aperte aquele botão”. Atualmente, quando entramos no Centro de Operações Integradas, é um painel novo, moderno, com muitas possibilidades, incluindo ajuda a locação dos eletricistas, previsão onde estão os carros, de que forma podemos mover cada frota, seus trajetos etc. Imagina, ainda levar em consideração o trânsito das grandes cidades? Então, nossa realidade no setor evoluiu muito e nós vamos cada vez mais nos adaptando. 

Se você não digitalizar, não tem jeito. Isso facilita a forma dos eletricistas operarem, eles já saem com equipamentos e um digital na mão. As contas de energia são digitais, há algum tempo. Então, isso aí é um caminho sem volta.