Para o pequeno Roberto, aquele lugar parecia um universo sem fim, repleto de sons, cheiros e vida. Os vendedores anunciavam as frutas nas barracas com vozes cheias de entusiasmo, enquanto as crianças corriam e brincavam pelos corredores, misturando risadas aos sons dos animais que ecoavam ao redor. Tudo ali parecia imenso para seus olhos tímidos, um mar de gente e movimento que o deixava à beira do desespero. Se não fossem as estratégias de sua mãe, que o mantinha amarrado ao carrinho de mão, ele certamente fugiria no primeiro instante, buscando refúgio em algum canto escondido, longe daquela vastidão que tanto o assustava. Assim eram as feiras de Caruaru – PE, ou pelo menos era a forma como aquela criança vinda do interior enxergava as ruas daquela cidade.

A infância de Roberto foi marcada pelas difíceis condições socioeconômicas de sua família, onde do lixo encontravam uma forma de sustento. O trabalho era árduo e as crianças também se uniam aos pais, ajudando a garantir a sobrevivência de todos. Memórias duras e complexas para um coração tão pequeno, mas que, como ele mesmo diz: "são importantes para lembrar o que aconteceu". Essas lembranças, embora dolorosas, são parte essencial de sua história e do caminho que o moldou. Apesar das dificuldades, as brincadeiras e boas lembranças também habitam sua memória, moldando o seu jeito de ser. Roberto recorda com carinho os dias em que girava o peão, corria no rouba-bandeira e, sobretudo, construía com suas próprias mãos carrinhos de madeira e lata. Nesses pequenos gestos, sonhava com o futuro, imaginando-se um dia atrás do volante, dirigindo pelas estradas que sua imaginação já percorria.

Foi ainda na infância que Roberto conheceu o encantamento do Boi Tira Teima. Seus pais, Mestre Gercino e Lindaura Severina, eram brincantes da tradição, e para Roberto, essa figura mítica e a festividade que a envolvia sempre fizeram parte de sua vida, como um pulsar constante. Ele recorda com vivacidade seu pai liderando o festival, encarnando o personagem Mateus, aquele que subia no boi com destreza e alegria. Também se lembra da mãe, vestida de fantasias, dançando com o mesmo brilho nos olhos. Não demorou para que Roberto se juntasse às festividades, trazendo vida a personagens que representavam a população indígena e seres fantásticos do sertão nordestino, como a caipora. Assim, ele mergulhou nas tradições de seu povo, carregando consigo a magia e a ancestralidade do Boi Tira Teima.

Roberto costuma dizer que não foi sua família que encontrou o Boi, mas o Boi que os escolheu. Seu pai começou como brincante ainda na infância e, ao longo dos anos, foi moldado pela tradição até se tornar Mestre. Sua mãe, a matriarca, abraçou a missão de manter viva a cultura do Boi, com a mesma devoção. Em uma ocasião, ao ser perguntada quem era seu filho mais velho, ela respondeu sem hesitar: "Meu filho mais velho é o Boi", revelando o profundo laço de afeto e respeito que tinham pela tradição, a ponto de reverterem suas economias para garantir que a festividade nunca deixasse de acontecer.

Com o passar dos anos, o Boi se enraizou ainda mais no coração da família de Roberto, tornando-se não apenas uma celebração, mas parte viva de sua história. Mesmo após o falecimento de seus pais, que partiram em momentos marcados por festividades do Boi, a figura do Boi não se despediu. Ao contrário, suas raízes fincaram-se mais profundamente, entrelaçando-se à vida de Roberto e perpetuando o legado que seus pais deixaram.

Por um tempo, Roberto atuou como coordenador do Grupo Boi Tira Teima, encarregado de organizar as festividades e todas as ações ligadas ao Boi. Com o falecimento de seus pais, surgiu a necessidade de alguém assumir o papel de Mestre do Boi, uma figura central na preservação da tradição, responsável por transmitir os saberes às futuras gerações, sempre com empatia, humildade e grande responsabilidade. Roberto inicialmente não se via ocupando esse lugar. Contudo, após a partida de seus pais, a comunidade começou a chamá-lo de Mestre. E assim, quase sem perceber, Roberto assumiu seu destino e se tornou o Mestre Roberto do Boi Tira Teima, honrando o legado e conduzindo a tradição que sempre lhe pertenceu.

Mestre Roberto, ao perceber a grandiosidade que a festividade do Boi vinha alcançando, compreendeu que as ações artísticas esporádicas, limitadas a datas específicas, não traziam os frutos duradouros que a comunidade tanto precisava. Com esse entendimento, em 2011, ele fundou a Associação Arte & Cultura Mestre Gercino. Junto com o Centro Cultural Boi Tira Teima, começaram a realizar ações de caráter social, enraizando a cultura e o cuidado no coração da comunidade. Para Mestre Roberto, uma ação isolada era como um sopro ao vento—menos poderosa do que o eco de um esforço coletivo. Assim, ele passou a tecer uma rede de pessoas em Caruaru, não apenas para manter viva a tradição do Boi, mas para fortalecer as raízes de sua gente. Acreditava que a arte, quando aliada ao social, não apenas preservava a memória do passado, mas também sustentava o futuro, deixando a comunidade pulsando com vida e esperança.

Nesse espírito de coletividade, as ações de Mestre Roberto floresceram. Em pouco tempo, o Boi Tira Teima transcendeu a simples festividade, tornando-se um patrimônio imaterial da cidade de Caruaru, um símbolo que ecoará na cultura daquele povo e do Brasil por gerações. O esforço incansável de manter essa tradição viva representa o legado de Mestre Roberto para sua comunidade: uma herança cultural que ele entende como algo maior que si mesmo. Como ele mesmo reflete: “Plantei uma árvore, mas não aproveitarei a sombra dela. A sombra é para os pequenos no futuro.” Essas palavras traduzem seu profundo compromisso com o futuro, deixando claro que sua missão é alimentar as raízes para que os que virão possam colher os frutos e repousar sob a árvore que ele, com amor e dedicação, plantou.

No enredo do cortejo, o Boi morre e é ressuscitado, dando origem à celebração. Mas, para Mestre Roberto, ao contrário do Boi, a tradição não precisará de ressurreição, pois, graças aos seus esforços e à luta incansável da comunidade, o Boi Tira Teima e as ações sociais permanecerão vivas e pulsantes em Caruaru. O Boi não é apenas uma figura cultural ou mitológica; ele é a própria alma da cidade, o fio invisível que une as pessoas e mantém suas raízes firmes. Para Mestre Roberto, a memória mais marcante é a de ver seus pais, Mestre Gercino e a Matriarca, brincando com o Boi, irradiando alegria. É assim que ele deseja ser lembrado — com um sorriso e em plena comunhão com o Boi. E é assim que ele sonha para todos ao seu redor: felizes, juntos e celebrando a vida ao ritmo do Boi, que não morre, mas perpetua-se no coração de seu povo.

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Acesse as redes sociais do Mestre Roberto: @roberto.gercino e do Boi Tira Teima: @boitirateima_oficial.

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Créditos
  • Produzido por Agência EDN
  • Texto: Lucas Gregório
  • Fotos: Pedro Paquino e Hérick Almeida
Ficha técnica do vídeo
  • Produção: Agência EDN
  • Direção: Camila Vaz
  • Direção de fotografia e câmera: Pedro Paquino
  • Assistente de fotografia: Hérick Almeida
  • Drone: Pedro Paquino
  • Produção: Vitor Dumont, Camila Vaz e Maite Fialho
  • Produção executiva: Camila Vaz
  • Edição: Jeniffer Estevam e Camila Vaz
  • Finalização: Camila Vaz e Hérick Almeida
  • Acessibilidade: Sâmia Bianchi e Juliana Gonçalves
  • Arte e Motion: Camila Ribeiro e Davi Araújo