​"Irmão, você não percebeu
Que você é o único representante
Do seu sonho na face da terra?
Se isso não fizer você correr, chapa
Eu não sei o que vai"
Emicida


Ao acordar ainda de madrugada, com os primeiros raios da manhã já atravessando a janela e o leve barulho da movimentação dos vizinhos do lado de fora, Sarah se sente abençoada pela vida que leva. Rapidamente se apronta e sai na rua de sua casa - uma pequena viela que dá de cara para a imensidão do mar.
Sua primeira atividade do dia é meditar, depois vai para a praia fazer seu treino de funcional com o pé na areia e com o olhar avistando o horizonte azul e sem fim.

Respira o ar mais puro que a praia de Maracaípe, em Pernambuco, pode oferecer, e agradece pela vida que hoje leva.​

Contudo, sua vida nem sempre foi calmaria e sossego. Sarah de Paula, hoje com 32 anos, é paulistana de nascença e tem a sua origem em São Miguel Paulista, zona leste da cidade de São Paulo. Filha de professora de inglês, logo se desenvolveu no idioma e hoje utiliza esse talento com a língua inglesa para realizar sonhos de pessoas que, assim como ela, um dia sonharam com uma vida e com um mundo melhor. Por crescer em região periférica, desde pequena entendeu que era responsável por alcançar aquilo que queria na vida. Sarah sempre foi dedicada aos estudos e logo após o ensino médio passou em uma universidade pública, onde se entendeu enquanto uma mulher negra e lésbica. A partir desse entendimento, sua vida nunca mais foi a mesma.

​A recepção em casa logo mudou, pois pertence a uma família evangélica e conservadora. Mesmo com esta barreira, Sarah não se intimidou em ser quem era, inclusive, a barreira se tornou combustível para a ação de mudança que causaria futuramente. Ao se entender como mulher negra, Sarah começou a se aprofundar em estudos sobre relações raciais e a se apropriar de conteúdos que a apoiassem nessa sua descoberta enquanto pessoa na sociedade brasileira. Começando a entender a triste realidade das pessoas negras, sobretudo mulheres e pessoas da comunidade LGBTQIAP+ , surgiu nela um sentimento de urgência, uma vontade de mudar a sua e a realidade de outros.

Ainda em São Paulo, começou a dar aulas de inglês para mulheres negras na periferia da cidade. Mesmo tendo outros quatro empregos ao mesmo tempo, Sarah se dedicava à preparação das aulas e gastava horas do seu dia em transporte público para se locomover entre as comunidades da cidade e atender suas alunas. A rotina logo a adoeceu e ela se viu sedentária, com problemas respiratórios e questões psicológicas delicadas que mereciam tratamento.

O ponto de virada da sua vida foi quando, em 2019, passou em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco — após ter entrado em outras seis universidades mas desistido dos cursos por não se sentir pertencente ao espaço acadêmico, por ser quem era. Em um ato de coragem, reuniu todas as suas coisas e se mudou para Recife, PE, sem conhecer ninguém e sem rede de apoio. Nas terras pernambucanas, Sarah repensou sua vida e seus projetos. Algum tempo depois ela saiu da faculdade, por não se reconhecer dentro dela, e se mudou do Recife para Ipojuca, exatamente na frente da praia de Maracaípe. Neste lugar paradisíaco, onde mudou seus hábitos e hoje segue uma vida muito mais saudável do que quando vivia na capital paulista, como ela mesmo afirma, realocou suas necessidades e desenvolveu o projeto que há anos preparava em sua mente e coração.

Já por estar distante geograficamente de suas alunas em São Paulo e pelo advento da pandemia, Sarah começou a oferecer aulas online de inglês e criou o projeto “Black to Black”, uma plataforma de inglês afrocentrado. Para Sarah, a plataforma é um negócio social voltado para a comunidade negra, onde ela oferece aulas de inglês apenas para pessoas pretas e pardas, com o intuito de apresentar um novo formato de aprender o idioma estrangeiro, com influência e base bibliográfica de escritores negros. A metodologia da plataforma foi desenvolvida pela própria Sarah e surgiu a partir de um incômodo crescente dela em perceber a falta de oportunidades que as pessoas negras recebiam, principalmente por causa do inglês.

Desde então Sarah tem transformado a vida de centenas de pessoas negras pelo país, inclusive comunidades indígenas e quilombolas, para quem já ofereceu aula. Ao ver o seu impacto na vida de seus alunos, Sarah afirma: “Eu sou um elo, eu conecto pessoas a outras pessoas e também as conecto com os seus sonhos”. Essa sua percepção enquanto elo veio há pouco tempo atrás, quando, ao participar de uma formação empreendedora, se reconheceu como uma líder comunitária, algo que passava despercebido em sua cabeça. “Nunca tinha pensado que desempenhava esse papel, mas agora sei e faço isso com orgulho”, comenta.

Atualmente, Sarah vive com outra Sara, sua companheira, e dá aulas de inglês para pessoas negras de todo o Brasil, em formato online. Sua compreensão sobre o mundo e a vida vai muito além da simplicidade do cotidiano, mas preenche um espaço de conhecimento ancestral e desejo por um mundo melhor. Ao se firmar enquanto mulher, negra e lésbica, Sarah carrega consigo muitos saberes sobre a origem do povo brasileiro e a afrodescêndencia que preenche as terras deste país.

Ao ser perguntada sobre o que sonha para o futuro e para o país, ela diz que deseja viver em um mundo onde pessoas como ela podem sonhar como ela um dia sonhou e realizar os seus sonhos, como ela tem realizado. Sarah não pretende parar onde está, deseja evoluir ainda mais, sempre com o intuito de quebrar barreiras e transformá-las em caminhos para que ela e outros possam trilhar uma jornada frutífera e prazerosa.​

Créditos
  • Produzido por Escola de Notícias
  • Texto: ​Lucas Gregório Viana
  • Fotos: Maykon Lima e Pedro Paquino​​

Ficha técnica vídeo
  • Produzido por Escola de Notícias
  • Direção: Camila Vaz
  • Direção de fotografia e câmera: Pedro Paquino
  • Assistente de fotografia: Maykon Lima
  • Drone: Pedro Paquino
  •  Som: Maykon Lima
  • Produção: Lucas Gregório Viana
  • Produção executiva: Camila Vaz
  • Edição e finalização: Pedro Paquino
  • Colorização: Gabriel Felício
  • Arte e Motion: Camila Ribeiro e Davi Araújo