Miguel - O rapper de altos voos
Foi em João Pessoa, no estado da Paraíba, que o adolescente Miguel de Santos Silva recebeu de forma despretensiosa o nome que marcaria sua trajetória. Trabalhando com a fabricação artesanal de bolsas de couro, o adolescente ganhou de seu patrão, carinhosamente chamado de “Meu Velhinho”, o apelido de “Carcarazinho”. O Carcará, majestosa ave de rijo porte, que ecoa a presença do gavião e se faz sentir no sertão nordestino, inspirou o nome.
O apelido nasceu de uma conexão com a canção "Carcará", composta por João do Valle e José Cândido e famosa pela voz de Maria Bethânia. Assim como o pássaro, que com sua força e imponência se destaca no sertão, o nome de Miguel, imbuído de semelhança e sonoridade, transcendeu as paredes da fábrica e ganhou vida própria. No auge de sua adolescência, sem plena consciência do que viria a ser, nasceu ali o rapper Miguel Carcará, um nome que começava a alçar voo.
No bairro de Mandacaru, ainda na infância, Miguel teve seu primeiro encontro com a essência vibrante do hip hop. Situado na região norte da capital paraibana, Mandacaru, desde a década de 80, ressoava com uma riqueza cultural imensa, sendo palco de festividades como o carnaval e manifestações de capoeira. Embora Mandacaru seja uma região periférica, marcada por ausências e desafios, o que realmente se gravou em Miguel foi a resiliência da sua comunidade, especialmente de sua mãe. Mandacaru, uma planta cuja flor é emblema do sertão brasileiro, simboliza força, esperança e coragem — qualidades que não só permeiam as letras de Miguel, mas também são a essência de sua própria jornada. Assim, o bairro que abrigou suas memórias e sonhos tornou-se o solo fértil onde floresceu a sua arte.
Miguel Carcará encontrou seu caminho artístico quando uma amiga lhe apresentou a música "Fim de Semana no Parque", dos Racionais MC’s, e o convidou a se juntar a um grupo de rappers. Sem compreender totalmente o processo, ele se lançou na criação de sua primeira rima. Foi nesse momento que nasceu seu desejo profundo de compor letras e transformar a realidade ao seu redor. O hip hop transcendeu sua essência como manifestação artística e se tornou um verdadeiro refúgio para Miguel. Foi nesse universo que ele viu seu sonho ganhar forma e substância. Enquanto a sociedade ao seu redor insistia que a arte não era para ele, as letras dos MC’s que ouvia lhe davam a certeza de que podia ser quem desejasse ser. Assim, o hip hop não apenas acolheu Miguel, mas também lhe ofereceu a confiança para desafiar as expectativas e seguir seu próprio caminho.
Impulsionado pelo desejo de explorar a arte de outros artistas do Nordeste, Carcará, junto a outros rappers, orquestrou encontros com artistas de Recife e Natal. Esses encontros, repletos de inspiração, culminaram em 2002 com uma oficina de rima em Natal, onde o destino lhe apresentou Silmara, sua atual companheira. A partir desse momento, o amor começou a dançar ao lado da arte, entrelaçando-se nas horas e dias de Miguel. Em 2005, com a chegada de sua filha Sofia, a vida tomou um novo rumo. Decidiu então trocar João Pessoa pela capital potiguar, onde o amor e a arte continuaram a compor sua história.
Inspirado por mestres e artistas, Miguel começou a transmitir o saber, ensinando sobre cultura, história e arte, com raízes profundas no hip hop. No início dos anos 2000, graças a iniciativas do governo federal, ele retornou à escola, encontrando ali um novo espaço de acolhimento, diferente daquele que antes conhecera. Completou a educação básica e seguiu para uma graduação que fazia eco à sua caminhada: pedagogia. Foi durante o curso que compreendeu a verdadeira essência da educação, não apenas como um direito, mas como um ato libertador. E então, percebeu que, sem sequer se dar conta, ao praticar a educação popular nas comunidades que frequentava, já levava consigo o legado de Paulo Freire, plantando sementes de transformação.
As transformações de Miguel Carcará são muitas, mas merece destaque especial sua atuação no bairro da Redinha, mais precisamente na comunidade periférica conhecida como "África". Foi ali que ele fundou o AFRICORES, uma escola popular dedicada a cultivar e propagar a cultura brasileira e as tradições da própria comunidade para crianças e adolescentes, utilizando o hip hop como ferramenta de conexão e aprendizado. Como coordenador do movimento cultural “Nossos Valores”, Miguel idealizou a primeira edição do AFRICORES como parte de um processo de revitalização da comunidade, usando o grafite como ferramenta de transformação. Na segunda edição, o projeto se expandiu, incorporando música e dança, criando espaços artísticos vibrantes no local, mas foi na terceira edição que o caráter educacional do AFRICORES ganhou força e se multiplicou. O AFRICORES não é apenas um projeto, mas a realização de um grande sonho, não só do Miguel, mas como ele mesmo diz: “é o sonho de um bocado de gente”.
Na missão de compartilhar para transformar, Miguel Carcará alçou voo de maneira despretensiosa, mas alcançou horizontes inimagináveis. Quando questionado sobre seu maior desejo, ele responde: “meu desejo é, um dia, fomentar e dar visibilidade ao trabalho de artistas que representam suas comunidades, para que tenham uma estrutura profissional sólida e sofram menos do que a gente sofreu.” Embora o carcará seja uma ave solitária, Miguel Carcará é um rapper educador que vive em comunidade e seu maior anseio é que essa mesma comunidade voe tão alto quanto ele conseguiu voar.
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Acesse as redes sociais do Miguel: @miguelcarcara e do Africores: @africores_oficial.
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Envie um email para: africores22@gmail.com e miguelcarcara@hotmail.com.
- Produzido por Agência EDN
- Texto: Lucas Gregório
- Fotos: Pedro Paquino e Hérick Almeida
- Produzido por Agência EDN
- Direção: Camila Vaz
- Direção de fotografia e câmera: Pedro Paquino
- Assistente de fotografia: Hérick Almeida
- Drone: Pedro Paquino
- Produção: Vitor Dumont, Camila Vaz, Rafael Gomes
- Produção executiva: Camila Vaz
- Edição e finalização: Pedro Paquino, Hérick Almeida, Jeniffer Estevam
- Acessibilidade: Sâmia Bianchi e Juliana Gonçalves
- Arte e Motion: Camila Ribeiro e Davi Araújo